Copo de 3: julho 2014

24 julho 2014

Os vinhos Atlânticos da Ilha do Pico (Açores)

De todas as regiões demarcadas em Portugal os vinhos oriundos dos Açores são com toda a certeza os mais esquecidos, os menos discutidos, os menos divulgados e os que menos vezes chegam à mesa dos consumidores. No entanto a situação está a mudar e assiste-se a um esforço das entidades locais, entre produtores/CVR para que estes vinhos sejam encarados/consumidos de forma mais habitual.

Focando apenas na Ilha do Pico, são vinhos que nascem sensivelmente a meio do Atlântico, em solos de lava que marcam a paisagem da ilha e que a população local diferencia entre "lajidos" e "terras de biscoito" (Ilha Terceira). É uma região peculiar, moldada pelo ser humano nos famosos "currais", Património Mundial da Humanidade pela Unesco, que isolada de tudo se tornou depósito natural de castas únicas e diferenciadoras (cheiros e sabores) levadas pelos colonos. Destacam-se três castas, o Arinto dos Açores que é diferente do Arinto de Bucelas, o Verdelho que foi a primeira casta implantada na ilha e idêntico ao da Madeira mas diferente do encontrado em Portugal Continental e o Terrantez do Pico, distinto do Terrantez da Madeira e do que se encontra no Dão.

Durante anos o mais famoso vinho da Ilha do Pico foi o licoroso, cuja principal característica é a não adição de aguardente, hoje em dia a oferta é mais vasta e estende-se por brancos frescos, de travo salino/mineral em conjunto com licorosos que oscilam entre o perfil mais seco ou mais doce, capazes de surpreender pela diferença.
Uma prova de contrastes, surpresas e comparativos onde a forte ligação à mesa com peixe e marisco se tornou mais que evidente. Contou com as presenças dos produtores Maria Álvares (Cooperativa Vitivinícola da Ilha do Pico), Marco e Rui Faria (Curral de Atlântis), Paulo Machado (Insula Vinhos) e Fortunato Garcia (Vinho Czar), foi conduzida pelo enólogo António Maçanita (Fita Preta).

Curral Atlântis Arinto dos Açores Colheita Selecionada 2013 (IG Açores)
 Muita frescura, toranja, lima, folha de limoeiro, salino, menos expressivo que o Verdelho. Muita energia no palato, frescura, sumo de citrinos maduros, mineralidade em conjunto com bom final de boca. 89pts

Curral Atlântis Verdelho Colheita Selecionada 2013 (IG Açores)
 Marcado pelo toque mais tropical da fruta, cheio e maduro, fresco e salino, envolvente com nota de pederneira. Boca com frescura, vegetal fresco com fruta tropical, seco no final mediano. 88 pts

Curral Atlântis Verdelho/Arinto dos Açores Colheita Selecionada 2013 (IG Açores)
 Aroma de fruta tropical com citrinos maduros, boa frescura, muito limpo, notas de um Verdelho mais gordo e redondo que abraça o Arinto mais ácido e cortante. Conjunto com harmonia entre castas num vinho claramente feito para a mesa. 90 pts

Arinto dos Açores by António Maçanita 2013 (DO Pico)
 Frescura num conjunto marcado pelo detalhe da fruta limpa (citrinos) e delicada, toque salino, todo muito equilibrado e a dar uma prova muito agradável. Na boca é fresco, salino, muito citrino presente com final persistente. 91pts

Insula Private Selection 2013 (IG Açores)
 Feito com Arinto dos Açores, carácter vincado num vinho tenso e com muito vigor, notas de pederneira ao lado de fruta limpa e madura, toranja e limão. Boca com austeridade mineral, quase salino, fruta madura a envolver num final de boca seco e prolongado. 90pts

Frei Gigante Reserva 2012 (DO Pico)
 Um perfil diferente do normal, blend de Arinto dos Açores com Verdelho e Terrantez do Pico. Conjunto perfumado com fruta madura (pêra, toranja), fumo, salino, ao mesmo tempo sensação de untuosidade e envolvência. Boca com boa presença da fruta madura, saboroso, boa acidez a terminar seco e mineral. 90 pts


Lajido Licoroso Seco 2002 (DO Pico)
 Não é um vinho de abordagem fácil, recorda ligeiramente os vinhos de Jerez, pela oxidação em conjunto com toque salino e fruto seco, amanteigado com ligeiro iodo. Boca com secura, fresco com frutos secos e iodo, num final persistente e longo. 88 pts

Lajido Licoroso Reserva Doce 2004 (DO Pico)
 Num perfil mais untuoso que o Lajido Seco, notas de frutos secos cobertos de caramelo, laranja caramelizada, uva passa, biscoitos, tudo em boa complexidade. Boca a condizer com os aromas, envolvente e com uma bela acidez. Final longo e persistente. 91 pts

Czar Licoroso Superior Doce 2008 (DO Pico)
 O mais exótico e fora do habitual, resina, toque de frutas cristalizadas com especiarias, ervas de cheiro e tisana, boa frescura a embalar o conjunto com toque salino em fundo. Gordo, complexo, guloso e estranho, diferente e divertido. 90 pts

Curral Atlântis Verdelho/Arinto dos Açores Doce 2005 (DO Pico)
 Passou 5 anos em barrica e 1 ano em garrafa, muito equilibrado, torrefacto, laranja caramelizada, salino e untuoso. Boca a mostrar muita frescura que liga com fruta caramelizada, calda de fruta, final longo e persistente. 89pts

Publicado em 03 junho 2014 em Blend - All About Wine

20 julho 2014

Terras de Tavares - O Dão do João


A Quinta da Boavista, pertença da família Tavares de Pina, onde se produzem os vinhos Terras de Tavares e Torre de Tavares, situa-se na Região Demarcada do Dão, Penalva do Castelo, entre as Terras de Penalva e as Terras de Tavares, a uma altitude aproximada de 450m.

A Quinta data dos finais do séc. XVIII tendo tido a vinha como actividade principal e hoje em dia conta ainda com a criação de cavalos raça Lusitana, mas também já ali se produziu o famoso Queijo da Serra da Estrela. Os cerca de 7ha de vinha situada em solos de transição xisto-granito de grande profundidade e elevados teores de argila conferem aos vinhos características muito especiais.
A uva que antes era vendida para a Cooperativa local, deu origem em 1997 ao primeiro Terras de Tavares, considerado até hoje como um dos melhores vinhos do produtor. Apenas em 2005 começaram a ser vinificados na Quinta. Até então apenas elaboravam blends de toda a produção que eram produzidos na Quinta da Murqueira.

Na Quinta da Boavista, João Tavares de Pina, um amigo de longa data e produtor apaixonado pela região com toda a irreverência que o caracteriza, vai criando a seu gosto vinhos plenos de identidade, de forte ligação à terra, espelhos de cada colheita que apenas são lançados para o mercado quando ele considera estarem aptos para consumo.

Não procura o agrado fácil. Os vinhos são feitos à sua imagem, com madeira pouco presente e estágios prolongados em garrafa. Brilhantes à mesa, apreciadores de uma boa conversa, claramente marcados pela alma da região num cunho muito próprio que João trata de aprimorar colheita após colheita.
Em conversa ficamos a saber que o João tem um carinho muito especial pela Jaén que considera de enorme potencial, juntando também a Tinta Pinheira e a Touriga Nacional. À Quinta da Lomba (Gouveia) foi buscar as uvas de onde produzia os seus brancos à base de Encruzado, Cercial e Síria. Entretanto as vinhas foram vendidas, pelo que teremos de esperar, quem sabe até 2015 para termos um novo Torre de Tavares branco.
Numa visita recente à Quinta da Boavista, aproveitei o seu fantástico enoturismo para me deliciar com a excelente gastronomia regional que João Tavares de Pina nos prepara a acompanhar os seus vinhos. Tive pena de não ter levado os calções de banho para dar um mergulho na fantástica piscina, mas fica para outra altura.

Torre de Tavares Síria 2009 (Regional Beiras)
Aroma a mostrar notas de muito boa evolução, intensidade média, flores, fruta (tangerina, maçã verde) com muita frescura e mineralidade de fundo. Boca com estrutura coesa, saboroso, com notas de fruta madura, num final fresco e bastante mineral.

Torre de Tavares Encruzado 2008 (DOC Dão)
Encruzado que não foi filtrado, mostra aroma evoluído com complexidade, cheio de detalhes, fruta madura, flores amarelas com toranja e marmelo, palha, sensação de untuosidade com boa mineralidade. Boca envolvente, fruta em calda, frescura com mineralidade em fundo.

Rufia 2012 (DOC Dão)
Nasceu na colheita 2009 como um 100% Rufete (Tinta Pinheira). Agora na nova edição juntou-se com a Touriga Nacional e a Jaén. O resultado é um vinho atrevido e cheiroso, pouco consensual devido à componente vegetal (rama de tomate) que está em evidência, embora a fruta esteja presente com muito boa qualidade e quase que se trinca. O vinho é mais sério do que se pode imaginar, um verdadeiro rebelde que alia compotas e balsâmico, sustentado por uma bela estrutura, com taninos presentes em final saboroso.

Torre de Tavares Jaén 2008 (DOC Dão)
Será posto à venda nos próximos meses. Apesar dos seis anos que já tem, está ainda muito novo mas cheio de encantos e recantos tão característicos do Dão. Está limpo e fresco, cheio de energia, muito fruto silvestre, balsâmico, pinheiro, cacau, madeira integrada com boa frescura. Explosão de sabor no palato, frescura com taninos a pedir comida por perto. O final deste belíssimo Jaén é longo e persistente.

Torre de Tavares Jaén 2007 (DOC Dão)
Vinho que desperta um sorriso, muito limpo e rico de aromas, coeso e envolvente a mostrar o grande vinho que é. Aromas característicos do Dão bem vincados, mato, pinheiro, frutos silvestres, muita frescura sempre presente, cacau e mineral em fundo. Boca a condizer, grande estrutura de apoio, muito boa frescura com a fruta sumarenta a marcar presença, taninos firmes com final especiado e longo.

Torre de Tavares Touriga Nacional 2008 (DOC Dão)
Uma Touriga Nacional mais contida e delicada, com aroma limpo, sedutor e fresco. Notas de alfazema, mato, vegetal e fruta madura bem integrada. Boca bem estruturada a mostrar fruta (cereja) bem casada com a madeira, balsâmico e mineral em fundo com taninos ainda por polir. Final longo e persistente.

Terras de Tavares 2006 (DOC Dão)
Resulta do blend Touriga Nacional e Jaén, com estágio de 3 anos em barrica e posterior estágio em garrafa. O vinho mostra-se ainda muito novo, cheio de vigor e a pedir tempo. Floral, com fruto negro e mineralidade em fundo. Na boca mostra muita força, taninos presentes, fruta gorda e frescura. É vincadamente terroso e possuí um grande final.

Terras de Tavares Reserva 1997 (DOC Dão)
Blend de Jaén e Touriga Nacional com domínio da primeira sobre a segunda. Complexo e delicado, limpo e perfumado, exibe notas de resina, floral, cacau, fruta vermelha gulosa (mirtilo e cereja), complementados com toques terrosos e especiados. Na boca é suave mas firme, longo, e com taninos domados. Muito elegante e com travos de um Dão clássico, precisa de tempo no copo. Final longo e persistente, num vinho que enaltece a sua região.

Publicado em 30 maio 2014 in www.blend-allaboutwine.com

18 julho 2014

Quinta de Cidrô Gewürztraminer 2012

Para quem não conhece a casta Gewürztraminer e nunca provou nada vindo lá de fora (aqui até um básico serve) onde é rainha e senhora, compreendo que poderá ficar entusiasmado com este vinho. Pessoalmente não lhe consegui encontrar grandes motivos de extrema alegria ou mesmo vontade de o continuar a beber ou sequer pensar em ter por casa. A conversa é simples e resumida, invoca ligeiramente aquilo que a casta é mas de forma enfadonha, pesada e sem a frescura ou aquele ar de perfume de menina que os "genuínos" têm e mostram. É envolto em fruta gorda besuntada por geleia e uma acidez que o salva do desmoronamento total o que apenas acontece quando a temperatura sai da zona de conforto. O preço que salvo erro ronda 10€ parece-me caro e será sempre mais bem empregue num muito bom Alvarinho, Encruzado, Arinto, Rabigato, Bical, Loureiro... 88 pts

Alonso del Yerro 2010

Vem da vizinha Ribera del Duero (Espanha) este vinho que não é a primeira vez que por aqui aparece, 2007 e 2008 já foram alvo de visita. Produzido pela Bodega Alonso del Yerro mostra novamente argumentos suficientes para se entender porque é considerado um dos novos meninos bonitos da região. Uma vez no copo o que se destaca mais é a qualidade e frescura da fruta, toda a elegância com que se bandeia no copo, fresco, leve apontamento apimentado com regaliz/alcaçuz num conjunto complexo a mostrar grande trabalho da barrica muito bem integrada. Por detrás fica uma estrutura sólida o suficiente para lhe garantir boa evolução em garrafa, marcado novamente pela presença da fruta aveludada e fresca que escorre pelo palato, tosta e pimentas, final longo e persistente com taninos ainda presentes lá no fundo. Pelo seu porte e comportamento à mesa a escolha foi uma perna de cabrito com batatinha assada no forno. 93 pts

17 julho 2014

Julia Kemper branco 2009

Já vem de longe este meu hábito de deixar esquecidos na garrafeira alguns dos vinhos que vou comprando, dá-me um gozo tremendo abrir um determinado vinho passado x anos e esmiuçar a maneira como se comporta desde a última vez que o bebi. Neste caso foi com amigos que decidi vasculhar pela cave e encontrei este Júlia Kemper branco de 2009, um vinho do Dão feito à base de Encruzado e Malvasia Fina. A primeira impressão foi muito satisfatória e até teve direito a sorriso, evoluiu muito bem e está num alto momento de consumo, sério, complexo e cheio de vida, exibindo todos os pergaminhos de um vinho que soube evoluir no melhor dos sentidos. 

Bebido em dois momentos foi ao almoço que brilhou com uma sopa de garoupa bem apaladada a contrastar com o conjunto das duas castas, ao mesmo tempo que a Malvasia Fina nos colocava o tom mais melado à disposição, a força da Encruzado com naturais aromas citrinos e florais em sintonia com uma barrica muito bem encostada que lhe confere alguma untuosidade muito fina mas ao mesmo tempo envolta em frescura no conjunto. Um branco em grande forma a dar bastante prazer a todos aqueles que tal como eu guardaram umas garrafas para ir abrindo. 92 pts

14 julho 2014

Táganan Parcela Amogoje 2012


Haverá melhor recompensa para um produtor do que nos conseguir cativar por aquilo que encontramos num dos seus vinhos e ficarmos com vontade de conhecer os restantes ? Foi o que aconteceu após ter caído no copo um fascinante Tinta Amarela feito em terras da Ribera del Guadiana (Espanha) bem perto de Badajoz. Face à qualidade do dito tinto, fomos buscar o branco elaborado pela equipa Envínate, neste caso um branco proveniente das Ilhas Canárias mais propriamente dos solos vulcânicos de Tenerife, onde o vinhedo velho pré-filoxérico com mais de 100 anos é dominado pelo field blend com castas brancas Malvasia, Gual, Forastera, Marmajuelo, Albillo Criollo, Vijariego Blanco, Listan Blanco... Toda a produção segue a mesma filosofia minimalista do grupo, neste caso estagiou numa barrica de 500 litros durante onze meses e foram engarrafadas cerca de 600 garrafas, preço a rondar os 18€.

Claramente diferente, complexo e intrigante, necessita de tempo e paciência, a primeira impressão que dá é de uma ligeira oxidação, mostra-se complexo e perfumado, cremosidade suave da barrica com muita frescura de conjunto. Sério, coeso, flores, fruta madura (meloa), especiaria, pederneira, boca a condizer com untuosidade ligeira de entrada para passagem frutada no palato, saboroso com uma acidez que lavra na língua, final seco e  prolongado com ponta salgada. Bichos do mar servidos ao natural com uma gota de limão, o resto é beber e descontrair. 92 pts

13 julho 2014

O Enólogo Encruzado 2013


Passarella é nome grande na região do Dão que após andar uns anos no limbo teve na mudança para boas mãos a capacidade de se reformular e catapultar com vinhos cativantes para os copos da nação num par de anos. Enologia de sentidos apurados do enólogo Paulo Nunes que tem feito um trabalho fantástico no "domínio" desta nova Casa da Passarella. Este é mais um exemplo do seu trabalho, a nova colheita deste Encruzado a sair para o mercado, relembro que a dita casta é preguiçosa pelo que precisa de tempo para arrumar as ideias, beneficiando quase sempre com dois ou mais anos de guarda. Enquanto novo como o provamos agora, está nervoso, tenso com uma acidez muito boa na boca, quase eléctrico, cuja tosta ligeira da barrica se dilui em muita fruta madura desde o tropical ao citrino, resina de pinheiro com uma saudável austeridade mineral de fundo. Um Encruzado de fina estirpe, custa 13€, para beber agora ou guardar, acompanha na perfeição marisco e peixe grelhado. 91 pts

BSE branco seco especial 2013



É produto da José Maria da Fonseca, um vinho bem disposto que é tão fácil encontrar como de beber, nada complicado assenta na frescura e qualidade da fruta e acima de tudo está muito bem feito. Repetindo o que disse na colheita passada, acompanha saladas, marisco, peixe grelhado e comida com toque oriental, desde que não muito puxada no tempero, sushi e companhia são bem vindos. Muita fruta madura e cheirosa, tropical com frutos de pomar nos aromas e sabores, fino e delicado mas com boa presença na boca, vincado por uma boa acidez em final seco. Preço de 3,50€ ... 87 pts
 
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